Tratamento de Silêncio — uma abordagem piedosa?

Foto de Vidar Nordli-Mathisen na Unsplash

Otou e Katayama Yumi provavelmente detêm o recorde de silêncio constrangedor. Otou supostamente morava na mesma casa do Japão com seus três filhos e esposa, mas nunca falou com sua cônjuge, Yumi. Enquanto Yumi falava com seu marido, por mais de vinte anos ele apenas assentiu com a cabeça ou resmungou em resposta. Otou explicou mais tarde que estava dando à esposa o tratamento de silêncio por ciúmes pela atenção e cuidado que ela dava aos filhos.

“Yumi, até hoje, você passou por muitas dificuldades. Quero que saiba que sou grato por tudo “, disse Otou antes de acrescentar:”Acho que não há como voltar atrás agora”.

O caso bizarro e triste de Otou e Yumi é um exemplo extremo de comportamento abusivo. Ainda assim, destaca como existem duas maneiras básicas pelas quais a comunicação conjugal pode dar errado: Em voz alta e de forma silenciosa.

Embora a maioria das pessoas reconheça os danos causados por discussões acaloradas, gritos e palavras duras, poucos percebem os efeitos igualmente destrutivos do “tratamento de silêncio” (isto é, o ato de ignorar deliberadamente ou se recusar a falar com alguém como uma forma de punição ou como um meio de expressar descontentamento ou raiva). Alguns cristãos até acreditam que, ao lidar com discordâncias, seu dever é simplesmente evitar comportamentos excessivamente agressivos. Já que não gritaram nem recorreram à violência, presumem que responderam de maneira adequada — talvez até piedosa.

Embora possa parecer um mal menor, essa abordagem não está de acordo com a exigência bíblica de resolver conflitos e cultivar um casamento saudável. Um cônjuge que recorre ao tratamento do silêncio provavelmente também adota um conjunto mais amplo de comportamentos pecaminosos semelhantes—um padrão de comportamentos que foi identificado pela primeira vez durante a Segunda Guerra Mundial.

Punição Através da Passividade

“Essa abordagem não está de acordo com a exigência bíblica de resolver conflitos e cultivar um casamento saudável.”

Na década de 1940, o exército dos EUA enfrentou um problema com soldados que apresentavam um tipo de comportamento difícil de categorizar. Esses soldados não eram abertamente desafiadores, mas expressavam sua agressão ou resistência indiretamente por meio de ações como procrastinação, mau humor, teimosia e ineficiência deliberada. Esse comportamento era visto como uma maneira “passiva” de expressar hostilidade ou agressão, em oposição a formas mais abertas ou “ativas” de provocação.

Em 1945, William Menninger, coronel, psiquiatra e diretor do Corpo Médico das Forças Armadas, usou o termo “passivo-agressivo” em um boletim técnico para descrever esse comportamento. O termo foi usado como um tipo de personalidade para descrever soldados que não eram abertamente insubordinados, mas demonstravam uma “resistência passiva” a seguir ordens ou completar tarefas.

Após a guerra, o termo “passivo agressivo” começou a ser usado de forma mais ampla por profissionais de saúde mental para descrever indivíduos que expressam sentimentos negativos de forma indireta. Foi incluído no primeiro Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-I) em 1952 como um transtorno de personalidade.

Com o tempo, o termo passou a ser mais amplamente utilizado na linguagem cotidiana para descrever comportamentos que expressam resistência ou hostilidade de forma indireta e sutil. Embora não seja mais considerada um diagnóstico psiquiátrico específico, “passivo-agressivo” continua sendo um termo popular para descrever esse tipo de comportamento em vários contextos interpessoais, incluindo relacionamentos, ambientes de trabalho e em outras situações sociais.

Embora o termo tenha passado a ser usado em excesso, ele ainda pode ajudar a descrever uma ampla variedade de comportamentos pecaminosos — Incluindo tratamento de silêncio — frequentemente encontrado em relacionamentos conjugais. O comportamento passivo-agressivo é uma forma de expressar sentimentos negativos de maneira indireta, frequentemente por meio de afastamento, mau humor ou teimosia. É uma forma de punir uma pessoa para conseguir o que queremos. Embora seja prejudicial em qualquer relacionamento, é especialmente nocivo para maridos e esposas, pois subverte a natureza e o propósito do casamento.

Como lidar com o conflito

O casamento é um símbolo da aliança pactual de Cristo com sua Noiva, a igreja (Efésios 5:31–32). Quando as pessoas veem o seu casamento, são conduzidas a algo maior e permanente. O casamento terreno é uma ilustração viva deste casamento celestial. Estamos encenando uma peça para o mundo assistir, e fazemos isso assumindo os papéis que nos foram designados. Deus atribui esses papéis dizendo: “Marido, você vai representar Jesus nesta peça; esposa, você vai representar a igreja” (v. 23).

A pergunta que devemos fazer é se seria apropriado que a igreja agisse de forma passiva-agressiva em relação a Cristo ou que Jesus agisse de maneira passiva-agressiva em relação à sua Noiva, a igreja. Se não, por que acharíamos apropriado que casais agissem dessa maneira?

“Seria apropriado que a igreja agisse de forma passiva-agressiva em relação a Cristo ou que Jesus agisse de maneira passiva-agressiva em relação à sua Noiva, a igreja?”

Em vez de confiar em comportamentos passivo-agressivos para conseguir o que queremos, devemos seguir os princípios claros das Escrituras para resolver conflitos no casamento. Em Efésios 4:15, somos chamados a falar a verdade em amor. A resposta cristã adequada ao conflito conjugal não é o silêncio, mas um diálogo aberto, honesto e calmo. Tiago 1:19 nos aconselha a ser “pronto para ouvir, mas seja tardio para falar e tardio para ficar irado”. Devemos, portanto, nos esforçar para entender a perspectiva do nosso cônjuge antes de responder. Ambos os cônjuges devem ter a oportunidade de expressar suas perspectivas sem interrupções ou atitudes defensivas.

Colossenses 3:13 nos instrui a perdoar como o Senhor nos perdoou, deixando de lado as queixas e estendendo a graça. Devemos estar dispostos a reconhecer nossas falhas, pedir desculpas quando necessário e sempre estender o perdão. Por fim, 1 Coríntios 13:4–5 nos lembra que o amor é paciente e bondoso, não se irrita nem guarda rancor. Quando as emoções estiverem à flor da pele, pode ser necessário fazer uma pausa e retomar a conversa mais tarde, mas isso deve ser comunicado de forma clara e não usado como desculpa para se afastar. Se os conflitos persistirem ou aumentarem, isso pode ser um sinal de que você precisa buscar conselhos sábios com um pastor, um conselheiro bíblico ou um casal maduro e piedoso.

Como todo comportamento passivo-agressivo, o tratamento de silêncio viola esses princípios bíblicos de muitas maneiras. Primeiro, evita falar a verdade de forma direta e amorosa. Em vez de expressar abertamente seus pensamentos e sentimentos, o cônjuge adota uma forma indireta de hostilidade. Segundo, o tratamento do silêncio reflete raiva e uma falta de disposição para ouvir e compreender o ponto de vista da outra pessoa. Terceiro, retém o perdão e prolonga o conflito ao interromper a comunicação. Quarto, não é paciente, gentil nem amoroso, mas sim uma forma de retaliação e punição emocional.

Lembre-se do que você está ilustrando

Embora o tratamento silencioso possa parecer uma maneira menos destrutiva de lidar com desentendimentos conjugais, ele está muito aquém do padrão de Deus para comunicação e resolução de conflitos. Em casos extremos, pode até se tornar uma forma de opressão ou abuso emocional. Em todas as situações, deve ser evitado.

O tratamento do silêncio não é paciente, bondoso nem amoroso.

Taticas passivo-agressivas sao impias porque promovem a divisao em vez da unidade, refletem raiva em vez de compreensao e retêm o perdão e o amor na tentativa de obter controle. Como cônjuges cristãos, somos chamados a rejeitar tais comportamentos e, em vez disso, comunicar abertamente, ouvir com humildade, perdoar prontamente e buscar ajuda quando necessário.

Ao fazer isso, construímos relacionamentos mais fortes, centrados em Cristo, que honram a Deus, abençoam nossos cônjuges e expressam uma parábola viva que aponta para o relacionamento entre Jesus e sua igreja.

Créditos

Autor: Joe Carter

Tradução: Tayllon Carvalho

Publicado em Inglês no site The Gospel Coalition. Traduzido e publicado com autorização.

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