
Reorientando uma alma distraída
O perigo da deriva, espiritual ou não, é quão sutil e confortável ela pode parecer. Muitas vezes nem percebemos que está acontecendo.
Eu cresci fora de Cincinnati, Ohio, a uma distância de uma viagem de carro para qualquer oceano. Não me lembro nem de um lago perto da nossa casa. O maior pedaço de água pode ter sido o lago artificial próximo ao campo de golfe local. Então, quando eu finalmente conheci o oceano, eu nunca mais pude esquecê-lo. Eu nunca tinha visto nada tão grande, vivo e assustador — e, mesmo tão imenso, meu irmãozinho e eu ainda podíamos brincar e lutar nas suas ondas.
Lembro claramente, em um daqueles primeiros dias de praia, reunindo coragem para nadar um pouco mais longe, e então, um pouco mais, boiando onda após onda, aprendendo como elas obedientemente marcham em fileiras e ainda assim dançam à sua maneira. E então, como acontece com tantos novatos, eu percebi (com grande medo) o quão longe eu estava do limite seguro. De repente, as ondas vieram mais altas e rápidas, me puxando para mais longe do que eu queria ir. Meus pés procuraram freneticamente pelo fundo. Meus braços e pernas de repente pareciam troncos de madeira, como se tivessem de alguma forma absorvendo água. Eu olhei e busquei ao longo da praia, mas não consegui ver meu irmão, meu pai, minha mãe, ninguém. Outra onda caiu sobre a minha cabeça.
Em pânico, eu nadei freneticamente, e logo percebi meus pés de volta à terra, mas aprendi o quão fácil e perigoso é se afastar da costa. Quão mais perigoso, então, é se afastar de Jesus — e perceber, depois de semanas, meses ou anos, que as ondas da vida nos levaram para mais longe do que esperávamos.
Foco ou Deriva
Uma marca de maturidade cristã é aprender que nenhum de nós deriva passivamente em relação a Cristo, nem mesmo depois de o seguirmos por anos ou até décadas. As correntes da alma ainda pecaminosa, marcadas com ondas de tentações constantes, ainda nos puxam para o mar. Não podemos flutuar lentamente nesse lugar. Ou estamos nadando em direção a Deus ou à deriva para outro lugar.
“Nenhum de nós deriva passivamente em relação a Cristo, nem mesmo depois de o seguirmos por anos ou até décadas.”
A carta aos hebreus sentiu a ressaca das ondas do pecado batalhando contra o nosso amor por Jesus. Depois de exaltar a supremacia do filho na criação, redenção, autoridade e na glória, ele escreve, “Por esta razão, importa que nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos”(Hb 2:1). Em outras palavras, se tirarmos os olhos de Cristo, em breve nos encontraremos mais longe dele. Na vida da fé, ou focamos ou nos desviamos.
Para seus ouvintes diretos, a correnteza ameaçou puxá-los de volta para os rituais sem Cristo da antiga aliança de Israel. A perseguição judaica tornou dolorosa e custosa a decisão de seguir a Jesus, deixando alguns na prisão (Hb 13:3). Muitos consideravam desistir de Cristo devido estarem sendo maltratados com Ele. Nossas almas podem flutuar por linhas semelhantes. Podemos ficar a deriva porque pessoas que amamos odeiam o Deus que amamos, fazendo comentários depreciativos sobre nossas convicções ou se distanciando de nós por causa delas. Ou podemos flutuar nesse mar em outras direções muito diferentes.
Podemos nos deixar levar pela deriva do pecado não arrependido, permitindo que algum desejo, amargura ou inveja se apodere e arraste lentamente nossas almas para longe da segurança. Podemos, como Demas, nos afastar para o mundanismo, permitindo lentamente que nossas afeições e imaginação sejam absorvidas com algumas distrações — prazos, promoções, manchetes, vitórias ou derrotas no esporte, tendências e ofertas de compras e controvérsias nas mídias sociais. Podemos nos afastar até por causa de uma fixação em amigos ou familiares. Cada um desses amores é um presente de Deus destinados a nos levar até Ele, mas, quão frequentemente eles se tornam ídolos ao invés disso?
Podemos nos afastar de inúmeras maneiras para inúmeros lugares. O alerta é que, se não estamos atualmente nadando para mais perto de Jesus, também não podemos permanecer onde estamos. Remar parado não é uma opção. E a maré vai escolher para onde vamos — se deixarmos. A alma humana é projetada para aumentar ou diminuir, a se movimentar ou ficar à deriva. Então, você sabe, nos momentos de maior preocupação e fraca determinação, onde sua alma tende a flutuar?
Maior que os anjos
Quaisquer que sejam os caminhos que nossas almas tendem a flutuar, como podemos combater a correnteza nos puxando? Nos apegando com mais firmeza às verdades que ouvimos de Jesus. A alegação do primeiro capítulo de Hebreus, de que ele é maior do que os anjos, pode cair estranhamente aos ouvidos modernos (como o meu). Na modernidade, não ficamos mais impressionados com os anjos. E assim, o argumento está amplamente perdido para nós — não porque seja um argumento fraco, mas porque temos olhos mais fracos, porque nos tornamos ignorantes da realidade. Os anjos não mudaram; nós mudamos.
Bocejamos quando deveríamos nos maravilhar (e muitas vezes nos maravilhamos quando deveríamos bocejar). Nós rolamos quando deveríamos cair de cara no chão. Tratamos os anjos como cachorros ou gatinhos — adoráveis, desejáveis, fofinhos, certamente não magníficos e aterrorizantes. Não é assim que os judeus do primeiro século teriam imaginado anjos. Eles não se sentiam confortáveis em imprimi-los em roupas infantis.
Se pudéssemos ver anjos, estremeceríamos e esconderíamos nossos rostos. E Jesus, Hebreus nos diz, é mais assustador que um furacão, mais espetacular que uma coluna de fogo e mais glorioso até que os anjos do céu.
Por causa de quem Ele é
Totalmente à parte de nossas tendência à deriva, Jesus realmente é digno de nossa completa atenção. Ele realmente é infinitamente fascinante. Quando minha família visitou Yellowstone, nos deparamos com dois ursos pardos brincando de luta em um campo. Nós estávamos longe o suficiente para estarmos seguros, mas perto o suficiente para ver tudo. Ainda consigo imaginar aqueles enormes lutadores peludos atacando e correndo. Ninguém tinha que nos convencer a prestar atenção ou a continuar assistindo. Alguém poderia ter facilmente fugido com nosso carro que tínhamos deixado ligado.
“Se pudéssemos capturar apenas um vislumbre de quem Jesus realmente é, não teríamos dificuldade em nos concentrar n’Ele.”
Da mesma forma, se pudéssemos capturar apenas um vislumbre de quem Jesus realmente é, não teríamos dificuldade em nos concentrar n’Ele. De fato, provavelmente teríamos dificuldade para notar todas as coisas que capturam e consomem tanto de nossa atenção agora. Quando lemos nossas Bíblias e nos sentimos pequenos, é como se estivéssemos examinando o campo, mas sem conseguir ver os ursos. Ou até podemos, mas eles estão muito longe e confusos. Quando paramos de ler nossas Bíblias, é como se tivéssemos parado até mesmo de olhar os campos. Passamos direto enquanto assistimos algumas séries em nossos celulares.
Hebreus 1 é um trailer para a glória que estamos perdendo quando nossos olhos estão à deriva e não contemplam o campo. O menino nascido em Belém é o herdeiro de todas as coisas — em parte porque Ele fez todas as coisas (Hb 1:2). Esse Jesus é a beleza do universo — “o resplendor da glória de Deus” — “e Ele sustenta esse universo com a sua palavra poderosa” (Hb 1:3). E, embora seja a pura e imaculada imagem de Altíssimo, Jesus se colocou entre a ira e os inimigos de Deus, para fazer deles seus irmãos. Depois de morrer na cruz, Ele provou que até a morte estava sob seus pés, erguendo-se da sepultura e ascendendo em glória maior do que Ele veio.
E, se você pudesse vê-lo como Ele é agora, até mesmo exércitos de anjos empunhando espadas de cair o queixo se tornariam monótonos em detrimento de sua beleza. Ele é sempre digno de mais atenção, e recompensa qualquer dedicação que damos.
Por causa de quem você é
Prestamos muita atenção a Jesus porque Ele é digno de tal atenção, e por sabermos a facilidade com que nos afastamos d’Ele. “Devemos prestar muito mais atenção ao que temos ouvido, mas não nos afastarmos disso”. Mantemos nossos olhos fixados n’Ele por causa de quem Ele é, e por causa de quem nós somos — tentados, distraídos, às vezes à deriva.
Ficar perto de Jesus significa se mover constantemente em direção a Ele. A linguagem das escrituras do “Andar pela Fé” é um grande encorajamento aqui. Há momentos para correr (ou nadar) veementemente, mas a maior parte da vida cristã vai ser caminhando com Jesus contra a deriva, como os discípulos caminharam com Ele durante seu ministério. Em uma era de dirigir, voar, andar de bicicleta e correr, muitos de nós temos perdido a arte de caminhar. Resistir à maré muitas vezes significa apenas dar os próximos passos — ler o próximo capítulo, orar a próxima oração, se preparar para o próximo ajuntamento no domingo. Ao fazermos isso, descobriremos, em alguns dias e em algumas estações, que as ondas realmente se agitam para nos servir e beneficiar, impulsionando mais alto e mais longe na direção certa. Com a ajuda do Espírito, como surfistas, podemos realmente domar e apreciar as correntes que uma vez tememos.
Enquanto lutamos contra a deriva dentro de nós, não precisamos tentar terminar nossa corrida hoje. Só precisamos ir o mais longe quanto pudermos nessas poucas horas que nos restam com os olhos em Jesus.
Créditos
Tradução: Tayllon Carvalho
Revisão: Francisca Maria
Edição: Fabiana Lima
Colaborador(es): Francisco Alan Gonçalves (Revisão)
Publicado em Inglês no site Desiring God. Traduzido e publicado com autorização da mesma
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