A morte só pode me fazer melhor

A morte só pode me fazer melhor

Em memória de Tim Keller(1950–2023)

Hoje(19/05), dizemos adeus a nosso amigo, pastor e autor Tim Keller. Tim faleceu na cidade de Nova York aos 72 anos de idade. Ele foi diagnosticado com câncer no pâncreas em 2020.

Ao longo dos anos, Dr. Keller aparece graciosamente como um convidado neste podcast, nos deixando com nove ricos episódios em tópicos sobre vocação (ou trabalho) e em temas de oração e solidão. Sou grato pelo tempo que investiu conosco.

Câncer, para o Dr. Keller, era um velho inimigo. Em 2002, ele foi diagnosticado pela primeira vez com câncer de tireoide, uma batalha que ele lutaria entre 2003 e 2004. Deus curaria e restauraria Keller, mas não antes da cirurgia da tireoide tirá-lo do púlpito por três meses. Uma década depois, Keller pregou um sermão sobre a ousadia diante da morte e contou o que aprendeu durante a primeira batalha contra o câncer, se abrindo sobre seus medos de quando foi levado para a sala de cirurgia. Naquele momento, ele teve um vislumbre de algo sobrenatural. Ele viu a magnitude absoluta da glória de Deus e a alegria de Deus para além desse mundo de dor, sofrimento, câncer e morte.

Quero compartilhar com você um corte desse sermão que veio a minha mente nesse dia, celebrando sua vida, sabendo que ele passou para a presença de Deus e para a incrível e inefável alegria de Deus que o resto de nós anseia. Aqui está Tim Keller, em 2013, respondendo essa questão: Onde encontramos coragem para os momentos mais assustadores da vida?

Para mim, minha versão favorita desse exemplo do que é coragem real vem desta pequena passagem próxima do fim da trilogia O Senhor dos Anéis. Se você é uma dessas três ou quatro pessoas no mundo que nunca ouviu falar de Senhor dos Anéis, é uma história. Há esses dois pequenos heróis. Um é um mestre, e o outro é o servo do mestre. Sam é o servo, e ele ama seu mestre. Eles estão nessa terrível busca, e, em um ponto, seu mestre está aprisionado em uma torre. Sam resgata Frodo, seu mestre, em grande parte se esforçando muito e dizendo, “você não vai machucá-lo. Eu vou fazer isso. Você não pode me parar. Eu sou grande aqui vou eu.” Ele o resgata.

Depois disso, eles ainda estão nessa terrível busca, e o perigo ainda é muito real. Uma noite, Sam olha para o céu e vê uma estrela. Isso está no livro, não no filme. Isso é o que a passagem diz:

Sam viu uma estrela branca cintilar por um tempo. A sua beleza tocou-lhe o coração. . . . Pois, como uma flecha límpida e fria, o pensamento traspassou-o de que, no final, a Sombra era apenas algo pequeno e passageiro: existia uma luz e uma beleza elevada, eternamente além do seu alcance. A sua canção na Torre fora um desafio mais do que esperança; pois naquela altura ele pensava em si mesmo. Agora . . . o seu próprio destino, e até mesmo o do seu mestre, deixaram de o incomodar . . . [e ele caiu] num sono profundo e tranquilo. (922)

O autor, Tolkien, está tentando dizer que há uma diferença entre a provocação, na qual você se motiva (“Eu consigo fazer isso!”), mas que, no final das contas, não é a coragem necessária, porque você está se focando em si mesmo. A coragem, por outro lado, não é se concentrar em si mesmo e afastar o medo. Não, é permitir que os medos desempenhem o seu papel e não permitir que eles tenham um papel excessivamente importante, desviando o olhar de si mesmo. “Certo”, você pode dizer, “mas então, para quê?” Isso está até mesmo no texto que acabei de ler. Foi provocação, não esperança. Tenha esperança.

Quando Paulo encontrou Jesus Cristo na estrada para Damasco, “Quem és tu, Senhor?” [Eu perguntei.] ‘Eu sou Jesus de Nazaré, a quem tu persegues ‘” (Atos 22:8). — O Jesus ressuscitado! Quando estávamos passando por Atos 9, o primeiro relato da conversão de Paulo, falamos um pouco sobre isso. Quando Paulo percebeu que Jesus havia ressuscitado dos mortos, de repente todas as peças se encaixaram. De repente, o significado de sua morte fez sentido, e a esperança para o futuro fez sentido.

Se Jesus Cristo realmente morreu na cruz, recebendo nosso castigo, e agora ressuscitou dos mortos, agora quando cremos nele, não apenas nossos pecados são perdoados, mas agora temos uma esperança incrível sobre o futuro. Nós vamos ser ressuscitados, e tudo neste mundo vai ser corrigido, e não vai haver nenhum sofrimento ou morte. É uma esperança surpreendente.

Como eu disse, a primeira parte da coragem é desviar o olhar de si mesmo. O mundo lhe diz: “Olhe para si mesmo e abomine o medo.” A segunda parte da coragem é olhar para a esperança, obter uma esperança. A verdadeira coragem não é a ausência de medo; é a presença da alegria — tanta alegria que o medo desempenha seu papel adequado. Bem, como é que se consegue essa alegria?

“A verdadeira coragem não é a ausência de medo, é a presença da alegria.”

Antes de chegarmos a isso, deixe-me dizer-lhe que há uma segunda maneira lá fora no mundo que as pessoas estão aconselhando uns aos outros para obter coragem. Eu acho que a principal maneira é esse tipo de “auto-estima”. A principal maneira que o mundo tenta dizer-lhe para obter coragem é esta: “Apenas diga a si mesmo: ‘Sem medo — você pode fazê-lo!’ prepare-se para a guerra e vá em frente”.

Eu acho que há um discurso alternativo lá fora, e é mais velho. É mais antigo. Remonta ao Oriente. Remonta aos gregos. Cícero, por exemplo, que era um dos estóicos romanos, escreveu um par de tratados muito famosos sobre por que você não deve ter medo de nada, especialmente a morte. Você não deve ter medo da morte. Ele diz: “A coragem faz pouco da morte, pois os mortos são apenas como eram antes de nascerem. Encontra-se dor ao recordar que as grandes dores terminam com a morte. Outros geralmente podemos controlar, se eles são suportáveis, mas se eles não são, podemos serenamente sair do teatro da vida quando a peça deixou de nos agradar.”

O que ele está dizendo aqui é: “Não há razão para ter medo de nada, incluindo da morte. Por que? Porque quando se morre, é isso. É como antes. Você simplesmente não está lá.” O que ele está dizendo? Você não deve ter medo de nada, porque você diz a si mesmo: “Eu vou perder tudo de qualquer maneira. Não adianta chorar sobre o leite derramado. Porque quando se morre, acabou. Estou gostando das coisas, mas todo mundo as perde.”

O que eles fazem? Você ainda está fechando seu coração, não está? Há uma maneira de obter coragem, não fechando seu coração para o medo, mas fechando seu coração para o amor. E não é apenas Cícero — eu li na New Yorker. Tantas pessoas seculares inteligentes hoje dizem a mesma coisa. “Não há razão para ter medo das coisas. Não há razão para ter medo da morte. Quando você estiver morto, acabou. Não há razão para ter medo da morte.” Oh, Não?

O que torna a sua vida significativa? É sua saúde? Em parte. É sua riqueza? Em parte. É seu sucesso? Em parte. Mas e se tivesse essas coisas e não tivesse amor? E se você não tivesse ninguém na tua vida para te amar, ninguém na tua vida para você amar? Não faria sentido. O que torna a sua vida significativa são as pessoas que você ama e as pessoas que te amam. Isso é o que torna sua vida significativa.

Agora você vai ficar lá, Cícero (ou quem quer que seja), e você vai me dizer que eu não deveria temer um estado futuro em que a única coisa que torna a vida significativa é tirada? Todos os que te amam e todos os amados são levados embora. Esse é o estado. E estás a dizer-me que eu não devia ter medo disso? Você está louco? É claro que devemos ter medo disso. Me desculpe, mas fechar o seu coração para o amor é como fechar o seu coração para o medo. Funciona, em parte, mas não sei. Certamente não é bom para o seu coração.

Aqui está uma maneira melhor. George Herbert, um sacerdote anglicano do século XVII — poeta incrível. Um dos meus poemas favoritos na história do mundo é o seu pequeno poema chamado “Um Diálogo-Hino”. É um diálogo entre um cristão e a morte. Cristão começa:

Cristão.


Pobre Morte, onde está a tua glória?
Onde está a tua famosa força, o teu antigo aguilhão?

Morte.

Oh, Pobre mortal, vazio de sentido!
Vá soletrar e ler como eu matei o seu rei.

Cristão.


Pobre Morte! E quem foi ferido por isso?
A tua maldição, sendo lançada sobre ele, te faz amaldiçoado.

Morte.

Pode falar o quanto quiser, perdedor. Ainda assim, você vai morrer.
Estes braços te esmagarão.

Cristão.

Não se contenha, faça o seu pior.
Serei um dia melhor do que antes;
Você é tão horrível que não existirá mais.

Você quer ser corajoso? Você quer olhar para fora e dizer: “Nada pode realmente me machucar por causa da minha esperança infalível”? Você quer olhar lá fora, dizendo: “Mesmo a pior coisa que pode acontecer comigo — a morte — só pode me fazer melhor? Não se segure, Morte! Vamos lá. Tudo o que você pode fazer é me tornar melhor do que sou agora”.

George Herbert disse: “A morte costumava ser um carrasco, mas o evangelho fez dele apenas um jardineiro”. Tudo o que ele pode fazer é plantá-lo, e você finalmente chega à bela flor que estava destinado a ser. Você é apenas uma semente, a morte apenas te planta, e então você finalmente se torna quem deveria ser. Isso não é coragem à maneira Ciceroniana. “Apenas mate o seu coração. Basta dizer: ‘Bem, vamos perder tudo de qualquer maneira’. Apenas mate-o.” Isto não é Hércules. Este não é o Rei Arthur. Assim é Jesus.

“O cristianismo é a única religião que afirma que nosso Deus tem o atributo da coragem.”

Como pode ter a certeza absoluta de que tem essa esperança? Como você pode dizer à própria morte: “Não se contenha, faça o seu pior”? Posso contar como. É preciso acreditar no único Deus. Há um monte de religiões lá fora, e todas clamam “Deus, Deus, Deus”, mas o cristianismo é a única religião que ainda afirma que o nosso Deus tem o atributo de coragem. Por que? Porque quando Deus encarnou-se como Jesus Cristo, ele se tornou vulnerável. Tornou-se humano. Quando ele estava no jardim do Getsêmani, quando todos estavam adormecidos, estava escuro, não havia ninguém lá e ele percebeu o que estava prestes a enfrentar.

Eu realmente acho que o jardim do Getsêmani é o lugar onde você vê o maior ato de coragem da história do mundo, porque no momento em que ele foi pregado na cruz, mesmo que ele quisesse voltar atrás, teria sido tarde demais. Lá estava ele, pregado na cruz. Mas naquela noite, ele podia ter ido embora. De fato, ele até pensou sobre isso. Ele diz: “A minha alma está sobrecarregada . . . até à morte” (Mateus 26:38). O que você vê em Jesus Cristo? Você vê coragem.

Você não o vê dizendo: “Manda a ver.” O suor ensanguentado mostrava que ele estava com medo. Ele não estava a dizer: “Vamos lá.” O que ele estava fazendo? Somos informados sobre isso em (Hebreus 12:1–3) (NVI):

“Portanto . . . vamos correr com perseverança a corrida marcada para nós, fixando nossos olhos em Jesus, o pioneiro e aperfeiçoador da nossa fé. Pela alegria que lhe foi proposta, ele suportou a cruz, desprezando sua vergonha, e sentou-se à direita do trono de Deus. Considere aquele que suportou tal oposição dos pecadores, para que você não se canse e perca o ânimo.”

Aí está. Ele desviou o olhar de si mesmo, e para o que ele olhou? Alegria. Qual foi a alegria? A alegria de agradar o Pai e redimir os amigos. A alegria disso o capacitou a ter coragem. Ouça: se você o vê dessa forma, morrendo corajosamente por ti, para que você possa dizer à morte: “Não se contenha, faça o seu pior”, então você pode ter coragem.

Uma das poucas vezes que precisei de coragem, Deus ficou muito feliz em me dar, e foi muito bom. Quando eu estava afundando, sendo levado para a minha única cirurgia de câncer — eu tive câncer de tireoide anos atrás — eu me lembro (foi tão bom) que de repente eu tive essa sensação de que o mundo é maravilhoso e o universo é essa grande esfera da glória de Deus, e nós estamos apenas presos nesta pequena partícula de escuridão. E mesmo isso vai ser tirado de você eventualmente. Portanto, não importa o que aconteça agora, o que quer que aconteça com a cirurgia, eu vou ficar bem. A minha família vai ficar bem. O mundo vai ficar bem. Tudo vai ficar bem. Foi muito bom ter um momento de coragem.

“Ao olhar para a alegria do que está agora lá para você, você enfrentará o que tiver que enfrentar.”

Tenho que te dizer, não tive muitos desses momentos. Não consigo segurá-los. Mas sabe uma coisa? O corajoso Jesus Cristo agarra-se a mim e agarra-se a ti. E se você olhar para ele e para a alegria do que ele realizou por meio de seu ato corajoso — ao contemplar a alegria do que está agora disponível para você, você enfrentará qualquer coisa que precise enfrentar.

A verdadeira coragem não é a ausência de medo; é a presença da alegria.” Um testemunho comovente da absoluta magnitude da glória de Deus. Um corte do sermão de Tim Keller intitulado “O Evangelho e a Coragem”, pregado em 26 de maio de 2013.

Alguns anos depois, o Dr. Keller pegou essa história e a escreveu em seu livro Caminhando com Deus em meio à dor e ao sofrimento (2015). Vou ler a sua versão publicada.

Não houve muitas vezes na minha vida em que senti “a paz que excede todo o entendimento”. Mas houve um tempo pelo qual sou muito grato. . . Foi pouco antes da minha cirurgia de câncer. Minha tireoide estava prestes a ser removida e, depois disso, enfrentei um tratamento com iodo radioativo para destruir qualquer tecido cancerígeno residual da tireoide em meu corpo. É claro que toda a minha família e eu estávamos abalados por tudo isso e profundamente ansiosos. Na manhã da minha cirurgia, depois de me despedir da minha esposa e filhos, fui levado a uma sala para ser preparado. E nos momentos antes de me darem o anestésico, eu orei. Para minha surpresa, tive uma nova perspectiva repentina e clara sobre tudo. Parecia-me que o universo era um enorme reino de alegria, exultação e uma beleza elevada. E claro que era — o Deus trino não o fez para ser preenchido com sua própria alegria, sabedoria, amor e deleite ilimitados? E dentro deste grande globo de glória havia apenas uma pequena partícula de escuridão — nosso mundo — onde havia temporariamente dor e sofrimento. Mas era apenas uma partícula, e logo essa partícula desapareceria e tudo seria leve. E eu pensei: “Não importa realmente como a cirurgia vai. Tudo ficará bem. Eu, minha esposa, meus filhos, minha igreja — tudo ficará bem.” Eu fui dormir com uma paz radiante no meu coração. (318)

Eu confio que nos seus últimos dias, Tim foi agraciado novamente com essa coragem e visão da magnitude da alegria de Deus envolvendo tudo o mais.

O Dr. Keller escapou desta partícula de escuridão para a mais elevada beleza eterna além do alcance das sombras para sempre e entrou na alegria ilimitada de seu mestre aos 72 anos. Adeus por enquanto, Dr. Keller.


Créditos

Tradução: Tayllon Carvalho

Revisão: Francisca Maria

Edição: Fabiana Lima

Colaborador(es): Francisco Alan Gonçalves(Revisão)

Publicado em Inglês no site Desiring God. Traduzido e publicado com autorização da mesma.

Para episódios do podcast, acesse: Podcast

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