Homem o suficiente para Chorar

Por /

Uma teologia das Lagrimas no último Sermão de Paulo

Pode realmente estar vivo um homem que se esqueceu de como chorar? Pode um homem de Deus, um ministro de Cristo, verdadeiramente afirmar que está completamente vigilante sem lágrimas? Essas são perguntas desconfortáveis que eu tenho me feito.

Essas considerações, por mais secos que meus olhos estejam, não se originaram de mim. Eu os levo em consideração com uma certa relutância. Eu já estudei ( e até memorizei) o discurso de despedida de Paulo aos líderes de Éfeso antes de ver o rosto molhado do apóstolo.

Paulo, ancorado brevemente no litoral de Mileto, enviou uma mensagem 64 quilômetros ao sul de Éfeso. Ele pede que os líderes venham imediatamente. Quando eles chegam, ele os diz algo que parte o coração: “E agora eu sei que todos vocês, em cujo meio passei pregando o Reino, não mais verão o meu rosto” (Atos 20:25). Paulo havia decidido embarcar em um navio que navegava em direção a providências sombrias. “E, agora, impelido pelo Espírito, vou para Jerusalém, não sabendo o que ali vai me acontecer, exceto que o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que prisões e sofrimentos estão à minha espera” (Atos 20:22-23).

“Pode realmente estar vivo um homem que se esqueceu de como chorar?”

Três anos foram passados com eles em Éfeso, cuidando de suas almas “dia e noite”. Este é o último encontro deles nesta vida. Suas palavras soaram como tijolos de ouro. De todas as coisas para se dizer e lembrar, encorajar e alertar, com tão poucos caracteres restantes para compor sua mensagem final, você se surpreende que Paulo menciona duas vezes, dentre todas as coisas, suas lágrimas?

Sirva ao Senhor com lágrimas

Ele começa suas últimas palavras a esses queridos amigos:

“Vocês sabem como me conduzi entre vocês em todo o tempo, desde o primeiro dia em que entrei na província da Ásia, servindo o Senhor com toda a humildade, com lágrimas e com as provações que me sobrevieram pelas ciladas dos judeus” (Atos 20:18-19).

Paulo menciona suas lágrimas como um fato — “vocês sabem como me conduzi”. Os obreiros efésios se lembraram como o orvalho das suas afeições caiam sem receios. Eles o viram chorar o “tempo todo” em que viveu entre eles. Que imagem frequentemente negligenciada do poderoso apóstolo.

Se eu pudesse, tentaria pintá-lo, intitulado “O Leão do Senhor, Chorando”. É bom para mim ver isso. Paulo, em seu ministério, às vezes perdia a compostura. Às vezes — e parece que muitas vezes — sua paixão por Cristo e sua compaixão pelas almas desfez sua pose aparente. “Lembra-se das minhas lágrimas?” ele pergunta a esses agora presbíteros da igreja. Você pode ver aquelas chuvas graciosas regando os meus sermões, de fato, aqueles pontos de exclamação no sermão da minha alma para a de vocês, servos do seu eterno bem e do meu gracioso Senhor?

A cena me faz perguntar: sirvo ao Senhor com tais lágrimas? Eu ao menos quero? Você quer?

Avisos Através do Borrão

Quando Paulo menciona suas lágrimas pela segunda vez, ele diz mais. Depois de dizerem aos homens para prestarem muita atenção a si mesmos e a todo o rebanho que o Espírito Santo os fez superintendentes, ele diz que lobos ferozes o atacarão de fora, e falsos mestres surgirão de dentro (Atos 20:29-30) — fique alerta, ele implora. Mas note o que acompanha o seu apelo:

“Portanto, vigiem, lembrando que, durante três anos, noite e dia, não cessei de admoestar, com lágrimas, cada um de vocês” (Atos 20:31).

“Admoestar” significa alertar/avisar. Por três anos, ele não parou de exortá-los ou de chorar por eles. Que visão. Que perplexidade. Reflita sobre este guerreiro chorão comigo.

Este homem diligente e zeloso de sangue os alerta sobre o pecado, o julgamento e a ira vindoura — enquanto ele chora lágrimas de exortação em suas almas. Como uma sentinela, ele ergueu as mãos e se declarou livre do sangue deles. Ele diz duas vezes que não recuou em covardia de lhes contar toda a verdade de Deus. Ele disse a palavra dura e impopular; ele exortou e chamou o pecado do que ele realmente é. As pessoas não gostaram do que ele disse — de fato, eles estavam tentando matá-lo.

Ainda assim, este soldado chorou enquanto advertia: Afaste-se da sua ruína, fuja da ira futura, arrependa-se diante de Deus e coloque toda a sua fé em Jesus Cristo! Acredite nas boas novas da graça de Deus. Continue acreditando no Cristo — agora ressuscitado e em breve retornando — crucificado!

Poder da súplica em lágrimas

Imagine estar diante de um homem em que: Seu coração caído tem estado frequentemente resistente contra argumentos e críticas. Sua armadura está bem vestida e seu pecado bem protegido. Disputas impiedosas e brincadeiras com palavras são seu esporte. Mas quem é esse inimigo atacando a cavalo? Que tipo de guerreiro derrama lágrimas pelo homem que deseja conquistar? Aço encontrando aço frio — essa é a trilha sonora familiar do campo de batalha. Você aprecia gemidos, gritos e toques de trombeta, mas não esse clamor suave e enervante do inimigo — lágrimas por você. Isso é mais do que mera verdade; é amor.

Você vê a vermelhidão dos olhos. Você ouve as paradas e os começos impressionantes no seu discurso. Aqui não há nenhum inimigo, nenhum contratado ou mero debatedor dessa era. Ele é sincero, com certeza, sincero para mais do que argumentos. Ele é sincero pelas almas — minha alma. Ele pode rejeitar minhas opiniões, mas ele me carrega no coração. Ele me diz coisas difíceis, mas parece querer o bem para mim. Talvez mais do que eu quero para mim mesmo.

Admoestações para Dois Homens

Que corretivo para a estridência sem lágrimas e os salgueiros chorosos hoje — para aqueles que, como eu, tem ensinado sobre o lago de fogo enquanto raramente derramam uma lágrima ao lado dele, e para aqueles que choram, mas nunca ousariam mencionar o inferno.

“Que incômodos os avisos podem se tornar quando dados sem essa santa umidade. Cheia de relâmpagos, mas sem chuva.”

Que incômodos os avisos podem se tornar quando dados sem essa santa umidade. Cheia de relâmpagos, mas sem chuva. Tais repreensões repetidas exalam um ar seco e quente e deixam os corações rachados. São berros que Paulo conhecia muito bem, “Saulo, respirando ainda ameaças e morte contra os discípulos do Senhor” (Atos 9:1). Em seus olhos agora molhados, os sem lágrimas podem encontrar a esperança de que a graça ainda não tenha nos abandonado.

Mas também não podemos tolerar por muito tempo o choro sem convicção, cujas lágrimas são sem profundidade. Homens sempre à beira de chorar por frivolidades precisam ser lembrados que eles devem desistir de si mesmos e serem fortes. Boas lágrimas servem a uma ambição superior. Elas servem ao Senhor Jesus. Mas acima delas erguem-se os clamores em Éfeso. Como essa seriedade chorosa confundiu os pecadores enquanto Paulo suplicava aos mortos que voltassem a viver. O Leão do Senhor — chorando, exortando, suplicando.

Tal pessoa — só me resta imaginar – era difícil para se debater por muito tempo, ainda mais díficil esquecer. Quando foi a última vez, caro leitor cristão, que você alertou um irmão fiel, uma mãe apóstata, um filho lascivo, um amigo enganado com olhos borrados?

Não deveriam os verdadeiramente vivos, em um mundo como esse, encontrar momentos para chorar? Não há muitas vidas desprezando a misericórdia e rejeitando a Cristo? As almas não são perdidas para aquele lugar eterno de choro e ranger a cada momento — nossos amigos, colegas de classe e vizinhos — e muitos não conhecem um cristão que derramou uma única lágrima por suas almas? Chegamos com boas novas; nem sempre precisamos chorar. Mas seria ruim se fizéssemos súplicas chorosas pelas almas?

Chorem até chegarem às almas

Uma palavra final, então, para colegas pastores, homens como aqueles com quem Paulo falou naquele dia. Você tem uma lágrima a derramar pelo pecador perdido e pelo santo ameaçado? Você serve ao seu Senhor com lágrimas? Não tenho a pretensão de instruí-lo sobre esses assuntos. Estas são apenas minhas notas de sermão enquanto ouço o leão chorando.

Charles Spurgeon disse que era uma coisa abençoada para um ministro “chorar até entrar na alma dos homens”, uma qualidade que ele admirava em George Whitefield.

Ouça como Whitefield pregou e nunca mais se atreva a ficar apático novamente. [Cornelius] Winter diz dele que, “às vezes, ele chorava excessivamente, e frequentemente ficava tão emocionado que, por alguns segundos, você poderia suspeitar que ele nunca se recuperaria; e quando conseguia, a natureza requeria algum pouco de tempo para ficar recomposto. Quase nunca o vi ministrar um sermão sem muitas ou poucas lágrimas. Sua voz era frequentemente interrompida por suas afeições; e eu o ouvi dizer no púlpito: ‘Você me culpa por chorar; Mas como eu posso evitar, quando vocês não chorarão por si mesmos, apesar de suas almas imortais estejam à beira da destruição, e, pelo que sei, vocês estão ouvindo o seu último sermão, e podem nunca mais ter uma oportunidade de ter Cristo oferecido a vocês?” (Ensinamentos aos Meus Alunos, 307)

Oremos todos por lágrimas santas. Não por si mesmos, não para fazer um show vã que atrai atenção para si mesmos, ou tentar manipular, mas busquemos vida, vida plena, vida abundante em Cristo — um viver cheio de vida, totalmente desperto, completamente compassivo dentro de um mundo amaldiçoado de tempos maus e almas imortais. Senhor, levante uma geração de homens e mulheres corajosos por Cristo que o sirvam com todo o seu coração, mente, alma, força — e lágrimas.

Créditos

Tradução: Tayllon Carvalho

Colaborador: Francisco Alan (Revisão)

Publicado em Inglês no site Desiring God. Traduzido e publicado com autorização da mesma.

PS: Caso você também deseje nos ajudar em algum dos nossos projetos (Blog, Youtube, Podcast, Editora, financeiramente, incentivando-nos), entre em contato conosco pelo DIRECT DO INSTAGRAM.

Para mais artigos do autor, acesse: Greg Morse

1 comentário em “Homem o suficiente para Chorar”

  1. Pingback: Homem fiel, quem o achará? - Semper Reformanda

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *