
Uma proposta modesta para um mundo digital
Há alguns anos atrás, um grupo de psicólogos cognitivos e comportamentais pegou quinhentos estudantes universitários, dividiu-os em três grupos, e deu a eles dois testes. Os grupos eram parecidos em todos os aspectos, exceto um: o posicionamento do celular. O primeiro grupo tinha a tela do seu celular virada para baixo sobre a mesa. O segundo tinha seus celulares em seus bolsos. O terceiro não tinha celular algum. Vocês provavelmente pode ver para onde isso está indo.
Os celulares dos três grupos estavam em silêncio, e apesar disso, alguns estudantes disseram que eles se sentiram distraídos por seus celulares, as pontuações do teste seguiram uma relação inversa à proximidade do dispositivo. Em média, quanto mais próximo do celular, menor a nota no teste. Nicholas Carr, que discute esse estudo no posfácio do seu livro The Shallows em 2020 resume a preocupante conclusão dos psicólogos:
Smartphones tornaram-se tão amarrados em nossas vidas que, mesmo quando nós não estamos olhando ou tocando neles, eles prendem nossa atenção, desviando recursos cognitivos preciosos. Apenas suprimir o desejo de checar o celular, que nós fazemos rotineiramente e conscientemente ao longo do dia, pode prejudicar o nosso pensamento. (230)
O achado — corroborado com estudos similares — dá uma expressão clara para o senso vago que sentimos muito: nossos telefones nos moldam, não apenas ou talvez principalmente, pelo conteúdo que nos entregam, mas também pela mera presença de algo tão agradável, tão pouco exigente, tão infinitamente interessante. Celulares, apesar de pequenos, exercem uma atração gravitacional(subconsciente) sobre a nossa atenção, atraindo nossos pensamentos e sentimentos para sua orbita, mesmo quando suas telas estão escuras.
O que significa, se Cristãos são chamados a atenderem o chamado de Romanos 12:2 na era dos Smartphones, — “E não vivam conforme os padrões deste mundo, mas deixem que Deus os transforme pela renovação da mente” — nós vamos precisar fazer mais que resistir ao falso contentamento dos nossos telefones. Nós vamos precisar resistir a falsa presença gravitacional que nossos celulares exercem tão sutilmente sobre nós.
E para esse fim, nós podemos encontrar ajuda de uma prática antiga: sábado.
“Celulares, apesar de pequenos, exercem uma atração gravitacional (subconsciente) sobre a nossa atenção, mesmo quando suas telas estão escuras.“
Nosso companheiro íntimo
Antes de considerar o que o Sábado pode significar para nossas telas, façamos uma análise de onde estamos. O Smartphone entrou no mundo em 2007; em 2011, a maioria de nós tinha um. Agora, pouco mais de uma década depois, muitos de nós tem muita dificuldade de lembrar uma vida sem um. As telas se tornaram ubíquas, aparentemente inescapáveis — Alexandres digitais que conquistaram nossa consciência da noite pro dia.
Para muitos, nossos celulares são a primeira face que nós vemos pela manhã, a última a noite e de longe a mais frequente ao longo do dia. Nós nos tornamos um mar de cabeças abaixadas e polegares doloridos, adeptos de navegar pelas calçadas e corredores de lojas com nossa visão periférica. Celulares tornaram-se tão completamente integrados à mente e corpo que muitos sentem vibrações fantasmas e percebem suas mãos se contraindo repetidamente e espontaneamente em direção ao corpo. Desde dois anos atrás, o americano médio gasta pelo menos metade de suas horas acordado nas telas (The Shallows, 227).
Para onde iremos com esse espírito digital? Ou para onde fugiremos da sua presença? Se subimos ao céu, os aviões oferecem Wi-Fi. Se fizermos nossa cama na escuridão, algo vibrará na mesa da nossa cabeceira. Se tomarmos as assas do Amanhecer e habitarmos no mais profundo mar, até ali a cobertura 5G nos manterá ao alcance.
O Formidável domínio de nossos celulares pode não ser um problema se soubermos que uma existência saturada das telas melhorou nossa qualidade de vida e nos ajudou a seguir Jesus com mais fidelidade. Infelizmente, nós temos muitas razões para pensar que não.
Digitalizado, Desumanizado
A ironia que não me escapa é que eu estou olhando para uma tela, e (provavelmente) você também. Para que eu não corte o galho que eu mesmo estou sentado, deixa eu ressaltar o seguinte: Nossos celulares e outras telas são presentes pelos quais devemos agradecer a Deus. O bem pode ser feito por eles e por meio deles. A necessidade do momento não é matar esses garanhões selvagens, mas domá-los e controlar seu poder.
Mas, Oh como eles precisam ser domados. Jean Twenge, em seu cuidadoso livro de pesquisa iGen, inclui um gráfico que mostra o quão certo atividades de tela (como jogos, texto e mídias sociais) e o quão certas atividades que não envolvem telas (como exercícios, leitura e gastar tempo com os amigos) contribui para a felicidade dos adolescentes. Ela escreve,
O resultado não poderia ser mais claro: Adolescentes gastam mais tempo em atividades de tela . . . são mais propensos a serem infelizes, e aqueles que gastam mais tempo em atividades sem tela . . . são mais propensos a serem felizes. Não há uma única exceção: todas as atividades de tela são ligadas a uma queda de felicidade, e todas as atividades sem tela estão ligadas a uma maior felicidade. (77–78)
E assim como com a felicidade, também acontece com outras categorias de saúde mental: “Mais telas causam mais ansiedade, depressão, tristeza e perda de conexão emocional” (112)
Como cristãos, não podemos testemunhar uma correlação similar entre as telas e a vida espiritual? Embora os celulares possam servir ao nosso discipulado a Jesus de alguma maneira (Como dando o acesso rápido às escrituras e ferramentas de estudos da biblia), ele também podem causar grandes prejuízos. Em vez de nos ajudarem a meditar, eles frequentemente nos interrompem, tomam nossa atenção para outro lugar e cultivam hábitos de leitura superficial. Em vez de nos ajudar a orar, eles frequentemente preenchem os espaços em branco nos nossos dias. Em vez de nos ajudar a evangelizar, eles frequentemente lançam nosso olhar para baixo quando passamos pelos nossos vizinhos.
Aqueles com uma antropologia bíblica robusta olham sem surpresa para os efeitos prejudiciais dos nossos celulares. Não somos criaturas sociais, feitas para uma comunhão que vai mais profunda que caneta, tinta, telas e chaves (2João 12)? Não somos criaturas corporificadas feitas para banquetear-se no mundo de Deus com todos os cinco sentidos? (Genesis 2:7; Salmo 104) Não somos criaturas intelectuais, feitas para pensar profundamente e não na superfície das coisas (2Timóteo 2:7)? E não somos, primariamente, criaturas voltadas para Deus, feitas para viver em Coram Deo (Colossenses 3:17), e não Coram Smartphone?
talvez, em um mundo digital como o nosso, alguns cristãos podem proteger e desenvolver sua natureza social, corporificada, intelectual e diante de Deus sem precisar tomar medidas extremas contra isso. Para mim, sinto que esse esforço é como tentar dormir com as luzes ligada: é possível, mas mais difícil do que precisa ser.
Telas Sabáticas
Entre no Sábado. A partir do êxodo, o Sábado de Israel serviu como um lembrete semanal da realidade. E não apenas um lembrete da realidade (como se o Sábado fosse um exercício meramente intelectual), mas uma senso de sentimento extraído desse dia. Deus revelou a si mesmo a Israel como o Criador que descansa (Êxodo 20:11) e o redentor que dá descanso (Deuteronômio 5:15). Assim, dado o quão profundamente eles têm sido moldados pelo trabalho obsessivo no Egito, e dada a inclinação de seus próprios corações para a inquietação, eles precisavam de uma prática que pudesse trabalhar neles suas confissões até os nervos e tendões da alma.
Então, Deus deu a eles o Sábado. Um dia que muda o centro de gravidade deles para longe do Egito com seu inquieto faraó para a realidade com seu criador que descansa, trocando a semana de trabalho de sete dias pelo próprio padrão de Deus com seis dias de trabalho e um para Deus (Genesis 2:1–3). Assim sendo, o sábado ocorre ao lado de festivais e festas de Israel, da meditação do salmista de dia e de noite (Salmos 1:1–2), na oração ajoelhada de Daniel (Daniel 6:10), e na manhã de solitude de Jesus (Marcos 1:35; Lucas 5:16) como uma prática disciplinada de resistência contra a atmosférica influência do mundo.
agora, como podemos aplicar o princípio do sábado para nossos eu digitalmente saturados viciados em telas? A proposta não é complicada nem inovadora: para resistir a atração de seus dispositivos digitais e viver como um seguidor de Jesus mais presente, dê uma pausa nas telas um dia por semana. Seja por 24 horas completas ou por algum outro tempo blindado, desligue os celulares, feche o computador e mergulhe você mesmo no mundo criado por Deus, encarnado e atento para as pessoas e lugares próximos. Chame isso de Telas Sabáticas.
A ideia pode soar extrema ou impraticável em um mundo onde telas mediam muito das nossas vidas (Sem textos, emails, pesquisa, podcast ou camera?). Considere, entretanto, não somente o que você pode perder em tal dia, mas em também em tudo que você pode ganhar.
Vida fora das redes
O que poderia acontecer se, por um dia na semana, você silenciasse o zumbido e escurecesse a luz de cada dispositivo? E Se você soubesse que não ouviria nenhum barulho e não sentiria nenhuma vibração? E se todo impulso para enviar mensagens de texto, checar ou distrair fosse frustrado por um bolso vazio? O que poderia acontecer em um dia desses?
Você poderia abrir as cortinas para um brilho diferente, vendo o sol começar sua corrida matinal (Salmos 19:5). Você pode ouvir novamente vozes tão frequentemente abafadas pelo zumbido digital: um pardal cantando de um poste para o galho, um coro escondido de grilos, um miado do gato do vizinho se alongando. Ao invés de vagar incorpóreo através do éter digital, você pode colocar suas mãos na terra ou andar na habitação que Deus determinou para você (Atos 17:26).
Ou talvez, você poderia ver seu vizinho rude, ou o pai impaciente no parque, com mais que um boneco de duas dimensões, e, ao invés disso, comece a imaginar as esperanças e medos batendo no seu peito. Talvez, tal visão levasse você a falar com eles, e falar para fazer amizade, e fazer amizade para orar e testemunhar. Depois, você pode se sentar a mesa do seu cônjuge, amigo, ou filhos e encontrar um tipo de quietude interior sem distrações que dispõe a estar pronto para ouvir e tardio para falar (Tiago 1:19)
Ou você pode encontrar uma nova perseverança para leitura da Bíblia e oração. Em vez de olhar para a superfície de uma passagem, talvez você cuidadosamente retirasse essas distrações, meditando como o homem abençoado e descobrindo-se abençoado (Salmos 1:1–3). Você pode desacelerar em como você responde a palavra de Deus, talvez pela primeira vez em um bom tempo lançando seus cuidados sobre ele um por um (1Pedro 5:6–7). Você pode sentir um exalar da alma.
E quando chegar a hora de ligar o telefone de volta, você pode descobrir que você carregou consigo parte desse descanso do sétimo dia com você.
Espírito do Sétimo dia
Nós devemos ter cuidado com o idealismo, é claro. Um dia sem telas ainda é um dia em um mundo caído, um dia quando em que nossa carne se recusa a descansar e nós as vezes encontramos, para o nosso desânimo, nossa atenção dispersa e nossa devoção a Deus superficial. Certamente, na antiga Israel, os piedosos as vezes se despediam do dia de sábado ainda inquietos. As vezes, entretanto, o sábado semanal fez algo para aqueles que receberam por fé: lentamente os recalibrou em direção a realidade centrada em Deus, enviando o espírito repousante do sétimo dia para os seis seguintes.
E o mesmo pode acontecer às telas sabáticas. Tirar um tempo disciplinado longe das telas pode não ser o único caminho para viver em um mundo digital sem estar se conformando a isso, mas é um bom caminho. Ao longo do tempo, a tração gravitacional de nossos telefones pode enfraquecer, e nós podemos nos ver atraídos por uma órbita diferente e muito melhor: O sol brilhante e vivificante do próprio Deus.
Créditos
Tradução: Tayllon Carvalho
Revisão: Francisca Maria
Publicado em Inglês no site Desiring God. Traduzido e Publicado com autorização da mesma
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